
Depois da grande polêmica envolvendo o Sr Giron em um artigo na revista Época (leia aqui), e a consequente resposta do Conselho Federal de Biblioteconomia (leia aqui), que trouxe novos olhares à questão, acrescento esse excelente artigo da Aletria, que entrevistou Cíntia de Azevedo Lourenço, coordenadora do curso de Biblioteconomia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) .
De forma sensata e realista, ela apresenta em uma entrevista, fundamentos norteadores do profissional Bibliotecário e a Biblioteca, sob a ótica de um Brasil progressista e moderno.
Acompanhe a entrevista abaixo, e deixe seus comentários, além de não deixar de conferir a excelente página da Aletria na internet!

Os bibliotecários: uma entrevista com Cíntia de Azevedo Lourenço
A mística das bibliotecas anda arranhada. Talvez os autores não saibam mais, assim como Sartre, assaltar as bibliotecas em busca do saber e da realização e sejam incapazes de transmitir a relação física do autor com a história da literatura, relação esta simbolizada pelo passeio quase que ritualístico pelos corredores de uma biblioteca.
Já o leitor, sabemos, aqui no Brasil é algo quase lendário, longe do hábito de leitura, o brasileiro também passa longe das bibliotecas. Na linha de fogo existe um profissional que não tem o mesmo poder dos professores e da família em fomentar o hábito de leitura diariamente, nem escreve os livros e os publica. Mas é o profissional responsável pelas bibliotecas. Talvez por isso, o papel do bibliotecário seja tão importante e ao mesmo tempo tão pouco conhecido.
Por isso conversamos com Cíntia de Azevedo Lourenço, coordenadora do Colegiado do curso de Biblioteconomia na Escola de Ciência da Informação da UFMG:
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Aletria: Talvez a imagem mais comum da bibliotecária, além de pensarmos que todas são mulheres, é a da responsável por organizar e colocar livros de volta no lugar. Seria talvez o mesmo de imaginar que um médico é aquele que coloca e retira esparadrapos em machucados. O que é um bibliotecário? O que exatamente ele faz?
Cíntia de Azevedo Lourenço: É realmente uma imagem muito minimalista mesmo. Primeiro é importante lembrar um pouco na história da humanidade. Os primeiros bibliotecários surgiram na antiguidade, e eram intelectuais da época e homens. Nesse início da história humana as bibliotecas tinham a função de coletar, guardar e preservar o conhecimento humano produzido. Tudo era muito frágil, devido aos materiais utilizados (barro, papiro, pergaminho etc.) e também exemplares únicos. Uma obra dessas perdidas ou danificada era um prejuízo irreparável. Por isso, esses primeiros bibliotecários eram guardiões e os acervos usados por poucas e seletas pessoas, sob vigilância ferrenha.
Na idade média os bibliotecários passaram a ser os padres, igualmente intelectuais e homens. Cuidaram para que esses exemplares únicos pudessem ser duplicados como um "backup" para garantir que esse conhecimento perdurasse por muitos séculos.
Foi com a Revolução Francesa que as bibliotecas passaram de propriedades dos nobres e do clero para toda e qualquer pessoa. Mas os bibliotecários passaram a ser mulheres somente após a emancipação feminina.
Assim, a mulher e a preocupação com a disseminação da informação, o incentivo a leitura e o atendimento irrestrito a toda e qualquer pessoa são retratos muito recentes na história da biblioteca. Mas como você pode observar, a biblioteca sempre se adaptou às mudanças sociais, políticas e econômicas do mundo.
Hoje ser bibliotecário ainda é preservar o conhecimento, cuidar para que nada se perca, mas também cuidar para que a informação certa chegue sem dificuldade a quem dela estiver necessitando. O universo informacional cresceu muito e continua crescendo e o bibliotecário cuida para que tudo isso possa ser recuperado de forma rápida e eficiente, garantindo ainda o acesso a essa informação. E a internet tem trazido grandes avanços principalmente no acesso a informação que antes tinha que ser emprestada ou consultada na biblioteca ou solicitada a outras bibliotecas, hoje está a um clique do usuário. Ou seja, algumas funções nossas ficaram mais fáceis com a tecnologia, mas nosso serviço para com os usuários ficou mais sofisticado.
Infelizmente, a formação de leitores com o número reduzido de profissionais que existem no Brasil, tem ficado à deriva. Como a biblioteca pública e a escolar oferecem baixos salários, são espaços que acabam ficando sob a responsabilidade de leigos, alguns muito dedicados aos quais muitos profissionais, inclusive eu, tiram o chapéu, outros que apenas "levam com a barriga" a função que exercem.
Aqui no Brasil, vamos encontrar bibliotecários principalmente nas Universidades e em órgãos públicos e estatais. Apenas nos grandes centros que existem bibliotecários em bibliotecas públicas e mesmo assim, em número bem menor do que gostaríamos.
Aletria: Recente coluna de Luis Antonio Giron na revista Época (veja aqui), ao vaticinar o fim das bibliotecas, traçou uma visão negativa do bibliotecário, que parece ser anti-social e antiquado. Esse quadro é real? Como é tratado o atendimento ao leitor nas bibliotecas?
Cíntia de Azevedo Lourenço: Realmente, a visão na referida coluna foi lastimável. Mas infelizmente é a imagem que o brasileiro tem. Isso se deve principalmente ao fato de que o primeiro contato que as pessoas teriam com a biblioteca seriam as públicas e as escolares. Mas o que vemos nesses espaços: nas bibliotecas públicas, uma instituição que tenta sobreviver as intempéries dos prefeitos nas cidades pequenas. Um instala a biblioteca, o outro fecha. Um investe muito dinheiro porque acha importante formar um povo culto e o outro reduz a verba pra gastar em reformas de praças e outras coisas que dêem mais votos. E nesse cenário ainda temos a falta do bibliotecário, profissional escasso no Brasil e considerado "muito caro" pelas prefeituras. Por mais que o Conselho Regional que regulamenta nossa profissão lute contra essa realidade não conseguimos vencê-la. Já nas bibliotecas das escolas públicas, vemos um espaço que mais parece um depósito de livros. Isso mostra que o quadro real não é o bibliotecário ser uma pessoa que atende mal ao usuário, mas sim, espaços de leitura que parecem estar ali apenas por imposição legal, mas que ficam abandonados. Como queremos que os leitores aprendam a frequentar bibliotecas dessa forma?
Em bibliotecas onde o bibliotecário atua, o usuário é treinado para o uso daquele ambiente, sempre existem Bibliotecários de referência disponíveis para atender o usuário de forma adequada, fazemos estudos de usuários, para avaliar se o acervo está de acordo com as necessidades informacionais da comunidade que atendemos. Até a organização das estantes é adaptada para melhor atender às demandas dos usuários. Atualmente, todo o nosso fazer é orientado para o atendimento mais eficiente dos usuários. Eles são entendidos como nossos "clientes".
Aletria: A pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” tem apontando constantemente a ausência do hábito do leitor em freqüentar a biblioteca. No curso de Biblioteconomia, esse problema é analisado de que forma? É possível preparar as Bibliotecas para serem uma voz atuante na discussão do fomento de leitura ou elas estão mais condicionadas às ações de outros agentes?
Cíntia de Azevedo Lourenço: Como queremos que o brasileiro seja um leitor, se muitos municípios não possuem bibliotecas públicas, se as escolas públicas em sua maioria não possuem bibliotecas? Como queremos que um povo que passa fome tenha "fome" de livros?
A pesquisa citada mostra que apenas as classes sociais mais cultas e abastadas que tem o hábito de leitura. Mas essas pessoas não estudaram em escolas públicas e sim em instituições particulares que ofereceram uma biblioteca para ser frequentada. Cresceram em grandes cidades, onde a biblioteca pública existe. O problema é muito maior do que as pessoas conseguem ver. Não adianta uma professora incentivar leitura nos alunos se esses alunos não têm nem a biblioteca da escola para frequentar. Se essas crianças não têm livros em casa e seus pais também nunca tiveram o "luxo" de ter acesso a uma biblioteca pública perto de casa, a escola vai fazer o que pode, mais não vai conseguir resolver o problema.
Eu trabalhei em uma biblioteca escolar em uma escola particular, onde o único professor que entrava na biblioteca para ler jornais e revistas de educação e buscar outras leituras era o professor de Educação Física! Como os professores querem incentivar o uso das bibliotecas e dos livros se nem eles mesmos o fazem? O exemplo é o melhor ensinamento! Mas eles também não aprenderam!
Na UFMG, os alunos têm uma disciplina de "Formação do Leitor" onde trabalhamos essa função social do bibliotecário. Mas nossos egressos raramente vão atuar em espaços mais populares, como os já citados onde realmente poderão colaborar com a formação dos leitores no Brasil.
Com essa nova lei aprovada que obriga as escolas e terem bibliotecas com bibliotecários, talvez essa realidade se reverta, mas também corremos o risco de não termos profissionais formados em quantidade suficiente para essa demanda, pois os brasileiros não se interessam pelo curso exatamente porque não sabem o que é ser um bibliotecário.
Somos uma classe profissional pequena no Brasil e por mais que lutemos, que tentemos ser ouvidos, acabamos esquecidos e ignorados. O bibliotecário sabe como ninguém respeitar a maturidade de leitura das pessoas. Não "obriga" ninguém a ler um livro porque ele acha importante como a escola faz. Ele não "censura", não diz o que o leitor pode ou não pode ler. Não é esse o nosso papel. Estamos nas bibliotecas para oferecer ao usuário o que ele tiver interesse em ler.
Se atualmente ainda existem bibliotecas que não são digitais, obras que não estão disponíveis a todos pela internet, não é por culpa dos bibliotecários. Existem outras questões fora de nossa alçada que impedem isso: direitos autorais, patentes, custo elevado para digitalizar todo o conhecimento humano que surgiu antes da era digital, entre outras.
Aletria: Na Europa têm se registrado o fechamento de bibliotecas, em parte por conta da crise financeira e em parte pela competição com o livro digital. E são países de leitores. Aqui, estamos montando esse país de leitores. Há uma tendência da sobrevivência das bibliotecas em centros de ensinos (escolas, universidades, etc) e não em grandes bibliotecas públicas?
Cíntia de Azevedo Lourenço: Realmente na Europa acredito que a maior culpada disso é a crise econômica. Quanto ao livro digital, não é tudo que está nesse formato. Como já disse antes, muita coisa ainda só existe em formato papel mesmo e precisa ser guardado e preservado para uso até que possa ser convertido em formato digital. O que temos nesse formato é o que já caiu em domínio público e o que nasceu em formato digital e o autor não se importou em compartilhar com todos. Ainda existe muita coisa fora da internet e ainda vai demorar muito tempo pra que tudo esteja em formato digital. É um processo caro e a longo prazo. Fecham-se bibliotecas que possuem acervos duplicados que existem em outros lugares, mais não todas. As bibliotecas nas Universidades e Escolas, em órgãos públicos e as grandes bibliotecas públicas e Nacionais ainda irão existir e ser essenciais por muito tempo. Depois, quando só existirem os acervos digitais o bibliotecário vai passar a atuar somente nesses espaços, garantindo a organização e a recuperação das informações para que os usuários tenham acesso rápido ao que lhes interessa.
Aletria: É um problema ou uma solução, a transformação do espaço da Biblioteca em um espaço multiuso, com apoio de outras formas de arte, para aumentar a incentivar o hábito de freqüência nas bibliotecas?
Cíntia de Azevedo Lourenço: Não sei se entendi bem a pergunta. A biblioteca se tornar um Centro Cultural tem sido uma realidade cada vez mais presente. Eu não vejo essa prática somente como uma forma de incentivar o hábito dos usuários irem às bibliotecas. É também uma questão de economia, aproveitar melhor os espaços e incentivar a frequência simultânea em outros espaços pouco frequentados pelos brasileiros. Afinal, não é só a biblioteca que os brasileiros não frequentam: as exposições, os museus, os saraus, o cinema de arte....
Vejo essa prática como uma união de forças para melhorar a formação cultural do povo brasileiro. Talvez não solucione, mais pelo menos é um esforço conjunto válido.
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2 comentários:
OTIMAQ ENTREVISTA CONSTANTE. NEM SABIA O QUE UM BI8BLIOTECARIO FAZ...
Sou bibliotecario noAmzonas e exijo respeito...
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